sábado, 28 de novembro de 2009

Choque

Punha as mãos à cabeça com as lágrimas prestes a fugirem.
Não podia ser! Simplesmente não podia! Como é que se podia ter enganado tanto a respeito dele?

Apetecia-lhe rasgar aquela carta em pedaços bem pequeninos, equivalentes a imagem do seu coração.

Aquele papel, delicadamente colocado no envelope, onde se podia ler ' compatibilidade: positivo' provavelmente por alguém que o fazia com a maior naturalidade e indiferença, destruia agora a sua alma.

Ele tinha-a traído e a criança tinha os seus doces olhos castanhos e o cabelo desgrenhado.
Não havia como fugir e nada a poderia ter preparado para isso.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Inverno

Passeavam por entre as ruas da cidade sem esperar nada mais.
Na mão dele, o cartuxo das castanhas comprado por impulso, quente, a última fornada do dia.

Na mão dela, o fruto amarelo, fumegante, a ser suavemente dividido para os dois, para que partilhassem do mesmo sabor.

Todos os que passavam invejavam a cumplicidade.

Era como contar uma história, com um inicio tão doce e sem vontade de terminar. O aproveitar de cada segundo movia-os e, talvez por isso, nem notavam que o sol já se punha, as aves recolhiam e o mundano dava lugar as luzes da metrópole.

Dançavam a melodia insonora do carinho que os unia com o riso, o toque e os olhares que trocavam.

As palavras proferidas eram do quotidiano mas a forma como saiam dos lábios dela faziam com que parecesse magia: a luz de fim do dia, os cabelos ao vento frio, esse que lhe corava as bochechas e lhe dava o ar de bonequinha com corpo de mulher. Apesar do seu tamanho, transpunha a personalidade de um gigante. Era impossível não a escutar, prestar-lhe atenção pois era demasiado atrativa toda aquela imagem.

Estava a apaixonar-se por ela de novo: pelo sabor dela, pelo brilho no seu olhar e a transparência e suavidade no viver. Apenas dizia a si próprio: "Vem; desta vez não foste tu a falhar e eu ainda te quero comigo"

domingo, 15 de novembro de 2009

Opções

Haviam muitas coisas que desconhecia sobre ela. A única coisa que era comum, para todos nós que a víamos passar diariamente por aquela rua, não passava do andar casual, quase flutuante, daquela mulher. O seu pescoço, que trazia constantemente um cachecol, cada dia de uma cor diferente para não destoar das suas roupas, deixava escapar sempre um uma visão daquela pele tão branca que contrastava com os seus cabelos negros, num decote apetitoso mas simultâneamente discreto. Aquela mulher era a personificação de uma brisa de Verão num Inverno gelado como este.
E não muito longe, ele esperava-a.

Tinha no pensamento as cartas que não haviam sido escritas por ele e, no entanto, estavam cuidadosamente guardadas na casa que não partilhavam.

Queria gritar-lhe, chamar-lhe nomes, chorar, alegar que ela não o merecia mas tinha consciência que isso seria impossível.

Ela era um animal da selva, sem possibilidade de ser domada cravada nos seus olhos mas que trazia a doçura na sua pose.
Sabia que a amava mas para ela, ele não passava de um desejo banal, um no meio de tantos outros.
Nada poderia ser mais atractivo do que a divisão consciente da atracção física e emocional. A questão residia apenas numa coisa: por qual optaria ela?

Seria ainda possível fazer mais alguma coisa que abrisse as portas à paixão?

Ele não conhecia a resposta e, quando ela se colocou em bicos dos pés para o beijar como sempre, naquele alegre jogo de amantes sem compromisso, ele não negou o seu toque, abraçou-a e disse: "O que te demorou tanto?".

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Castelos

As coisas mais curiosas da vida acontecem quando estamos em auge.
No auge da alegria, complexo estado que garante a quem a possui uma armadura bem resistente às situações menos boas, mas éfemeras, do dia-a-dia mas no entanto é rapidamente destruída ao ser confrontada com o apogeu da loucura que traz, muitas vezes, consigo a tristeza melancólica que quebra a carapaça que julgávamos inquebrável.


É como um espelho, que reflecte todas as maravilhas do mundo mas que, ao gesto mais brusco, permite à fragilidade tomar as rédeas e, tudo o que sobra é a memória à qual nos agarramos com a maior intensidade.
Como as ondas que batem na costa.
Há algum lugar onde a dor seja transformada em amor e, a música seja o motor das vidas?
Se há, leva-me para lá, nas asas de Pégaso. Leva-me para o mar que constrói castelos de areia

Já não sou feliz aqui.