quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dá-me



Dá-me.

Dá-me apenas um segundo.

Esquece o que te envolve – as guerras internas, externas; as falhas e a morte de tudo o que é vida.

Pára, senta-te e sente. Ouve as vozes à tua volta – nada é mais banal do que o burburinho inquieto daqueles cuja despreocupação marca o quotidiano, juntamente com toda a rapidez com que se respira este ar impregnado de falta de tempo para os que amamos; e nem sempre prestamos atenção suficiente para nos aperceber do que se passa ao redor da nossa egoísta perspectiva.

Por isso te digo, mais uma vez, junta-te a mim.

O ar que nos envolve, saturado com a dúvida dos homens tristes. Já não ouvimos o riso da criança. A irracionalidade supera o racional de tal forma que todos os segundos de atenção que podíamos dar aos outros são absorvidos num remoinho de egocentrismo. Redime-te e ouve-me.
Bebe o teu café, age naturalmente. Ninguém se vai aperceber do teu nervosismo ou incómodo por estares sentado a conversar com uma mulher como eu. Sei que mexo contigo. Sou tudo aquilo que um dia desejaste ter e não consegues alcançar porque não abres mão ou não dás a oportunidade a ti mesmo de esquecer tudo o resto e seguir o que te faz verdadeiramente feliz.

O que mais te assusta é teres a plena consciência de que nada vai mudar se não deres o primeiro passo.

Ainda respiro, ainda me apercebo do calor da tua pele e do teu perfume que me faz arrepiar como se fosse a nossa última noite num quarto de hotel.Apercebe-te de que não já não estamos sozinhos na segurança de uma sala fechada e que todos os medos não saltaram a vista porque ninguém mais se importa. Ninguém é como eu – que sonha e faz por ser ouvida; que grita bem alto até os pulmões rebentarem de dor e as lágrimas secarem e não escorrerem mais pelo meu rosto.

Mas não aqui; demasiada exposição. No entanto não sei se alguém prestaria atenção a um casal como nós. Passamos despercebidos; as minhas olheiras, fruto de horas de sono perdidas, embrenhada nos meus desejos últimos por ti, escondidas debaixo de uns óculos de sol.
Ansiei por ti noites e dias. Morri e nasci de novo na esperança de te fazer voltar para mim. Recusei todos aqueles que vieram ao meu encontro para que pudesse desfrutar por um segundo da tua companhia, para que te sentasses e me ouvisses com atenção.

Choquei-te?
Não mais do que tu me chocaste. Acreditei nas mais belas palavras de amor. Agora é de novo o silêncio.

Onde estão as flores no tabuleiro do pequeno-almoço? Os gestos de amor eterno, desvaneceram, foram insignificantes no momento que abri a gaveta e descobri todas as cartas apaixonadas que não me eram endereçadas.
As palavras escritas foram a total constatação do porquê de já não receber um último beijo de manhã.

Como pudeste? Enganar-me deliberadamente, escondendo-te no teu sorriso perfeito que tantas vezes me derreteu e agora congela o meu coração por saber que já não é verdadeiro.

Não percebes que é por isso que aqui estou?
Porque não abres essa boca e me contas ? Não me obrigues a confrontar tudo de novo. Deixa-me ter ainda uma réstia de esperança de que tudo isto seja falso.

Mas não.
Continuas com o teu café, falas de uma forma trivial como se o meu perfume já não te incomodasse mais e a minha falta de maquilhagem não te relembrasse as tardes na praia em que percorrias o meu corpo com sabor a mar com os teus lábios e me dizias ao ouvido: “És tão simples, tão bonita”.

Tudo o que era verdadeiramente essencial na nossa vida tornou-se dispensável e não vejo qualquer justiça nisso.
Já não aguento por muito mais tempo.

Basta.

Para onde foi a sinceridade que te caracterizava? As horas que passámos, deitados no sofá relatando o nosso dia.
Cada pequeno ritual que me fez amar-te mais e mais. Agora nada mais a que me agarrar.
Eu podia ter feito estátuas de chuva, muros de fogo. Podia ter saltado dos pontos mais altos se isso te fizesse feliz.
E o que é que tu fizeste? Conservaste-me e ao mesmo tempo construías um mundo novo. Não pensas-te nas consequências nem nos sonhos desfeitos.

O que é o Sonho afinal? Sei que não é ver-te aqui, sentado a olhar para mim na esperança que termine o meu café e saia pela porta fora sem mais uma palavra, sem olhar para trás.
Nem um som; para quê desperdiçar o silêncio?

Diz o que precisas de dizer: que foste um inútil, um fraco que não distinguiu o desejo do amor: o verdadeiro sentimento que faz bater dois corações em uníssono. Acho que esqueceste, não te convinha saber que és o causador das minhas noites perdidas e dos meus desejos de desaparecer.

Apagaste da memória? Eu vou fazer o mesmo.

Levanto-me, pago a despesa.
Não te dou nem mais um segundo.